Quando o plano urbanístico de Lisboa começou a tomar forma na segunda metade do século XIX, a intervenção prioritária aparentava ser na zona a norte da Baixa Pombalina. O que levou a Câmara Municipal de Lisboa a traçar o projeto urbanístico para o bairro de Campo de Ourique, no extremo nordeste do núcleo urbano da cidade? Uma tese de mestrado desvenda a história deste bairro, que agora comemora 140 anos.
Na segunda metade do século XIX, Lisboa era uma cidade envelhecida e estagnada. Só a partir dos anos de 1860 se deram os primeiros passos rumo a um programa urbanístico, inovador a nível nacional, que mudaria a face de Lisboa.
O projeto para um bairro em Campo de Ourique foi um dos primeiros planos implementados pela Repartição Técnica da Câmara Municipal, salienta Susana Maia e Silva na sua tese de Mestrado em História da Arte da NOVA FCSH (2014), onde desvenda o projeto urbanístico deste bairro entre 1878 e 1958, através de um levantamento e análise inéditos da documentação existente.
No entanto, salienta a investigadora, não foi Ressano Garcia, o emblemático engenheiro da expansão de Lisboa, que traçou o plano do bairro. “Sendo o engenheiro responsável, acabou por assinar, mas foi um técnico chamado Augusto César dos Santos que pegou num projeto de construção de uma firma privada e o estendeu a outros limites”, explica.
Essa firma chamava-se Silva, Esteves, Lopes e Companhia e o plano apresentado previa a construção de oito prédios e de um conjunto de casas abarracadas numa propriedade que possuíam no local. Tratava-se de um projeto de construção imobiliária e não urbanístico mas, com base nele, “a Câmara apercebeu-se das potencialidades de Campo de Ourique e dos benefícios que a sua urbanização traria em prol da capital”, reforça Susana Maia e Silva. Foi por isso que transformou “uma simples intenção de edificado num projeto à escala de um bairro”.
Nessa altura, o quartel e o cemitério dos Prazeres eram os únicos edifícios do local. O restante espaço era constituído por cinco grandes propriedades de exploração agrícola. Augusto César dos Santos traçou uma grelha ortogonal de ruas, baseada em princípios geométricos que favoreciam a circulação do ar e a exposição solar dos edifícios a construir.
“Augusto César dos Santos foi capaz de entender as necessidades da capital, entrecruzando os ensinamentos adquiridos no Instituto Industrial, nomeadamente os da escola de urbanismo da época moderna, com a sua experiência e com os modelos que observou no estrangeiro, criando um projeto inovador, racional e moderno”, concluía investigadora.
O plano foi aprovado em novembro de 1878 e o bairro inaugurado um ano mais tarde. Estaria concluído apenas 80 anos depois…
Fotografia: Cruzamento entre a Rua Saraiva de Carvalho e a Rua Ferreira Borges, em 1941. António Passaporte (Arquivo Municipal de Lisboa).