Carolina Beatriz Ângelo foi mais do que a primeira mulher a votar na Península Ibérica: a feminista abriu caminhos para a igualdade de acesso entre géneros ao longo das décadas. Tinha apenas 33 anos quando faleceu nas escadas da sua casa, no dia 3 de outubro de 1911, a poucos dias de festejar o primeiro ano da Implantação da República por que tanto lutou.
Carolina Beatriz Ângelo ficou conhecida por ter votado num mundo dominado pela opinião masculina. Foi a primeira mulher na Península Ibérica a exercer este direito para a Assembleia Constituinte do país, a 28 de maio de 1911, feito que mereceu o destaque da imprensa internacional. Mas, nesse mesmo ano, a 3 de outubro, a sufragista feminina morreu de síncope cardíaca “tendo-se sentido mal quando, de eléctrico, regressava a sua casa” após uma reunião “de senhoras feministas, a que presidira. A custo subiu a escada, e finou-se sem chegar a recolher ao leito”, noticiava o jornal A Luta e mencionado por Isabel Lousada, investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA) da NOVA FCSH, no artigo (2010) sobre a médica, que morreu aos 33 anos.
Carolina Beatriz Ângelo tinha perdido o seu marido e primo, Januário Duarte Barreto, também ele médico, 16 meses antes. Foi a sua viuvez que a permitiu votar e contornar a lei, mas após a sua morte, o casal deixou órfã a única filha, Maria Emília Ângelo Barreto, de oito anos. O funeral da médica foi realizado no dia antes da Implantação da República, revolução pela qual tinha lutado um ano antes.
Ainda antes da sua morte, a republicana expressou que não queria uma homenagem com pompa e circunstância: “Livre-pensadora e laica, avessa ao luto, rejeitou cerimónias e exéquias fúnebres” e apenas exigiu um funeral civil “e em tudo democrata”, como se lê no jornal A Luta.
Adelaide Cabete, à época presidente do Grémio da Humanidade, convocou as mulheres para prestarem o seu tributo no funeral da antiga presidente e sua companheira de luta. Maria Laura Monteiro Torres, outra das parceiras de Carolina Beatriz Ângelo, sócias fundadoras da Associação de Propaganda Feminista (APF), assinou a nota do seu falecimento no jornal O Radical: “Agora, que para sempre se apagou a luz brilhantíssima do seu talento, agora, sem a sua lúcida inteligência, sem o seu espírito conciliador, como vai ser difícil a nossa tarefa! Que pesada herança ela nos legou!”. Mas a herança de Carolina Beatriz Ângelo foi muito mais para além do ato de votar.
Ser mulher no início do século XX: uma vida de sacrifícios pessoais e profissionais
Carolina Beatriz Ângelo nasceu na Guarda em 1878. Ao concluir os seus estudos, mudou-se para Lisboa e tornou-se a primeira aluna do curso de Cirurgia do Hospital de São José, em Lisboa, e a primeira cirurgiã do país, em 1902. Pelo caminho, trabalhou como interna no Hospital D. Estefânia ao lado do médico Sabino Coelho, onde o auxiliou e realizou operações, e numa enfermaria do Hospital de Rilhafoles. Acabou por se especializar em Ginecologia e abriu o seu consultório na baixa de Lisboa, feito que permitiu abrir “novos horizontes às futuras gerações de médicas”, escreve a investigadora.
Após licenciar-se, casou com o seu primo e teve uma única filha. Simultaneamente, começou a interessar-se pela vida política. Isabel Lousada refere, neste artigo (2015), que a médica entrou para a Loja Humanidade em 1906, iniciando-se na Maçonaria. Ao lado de Adelaide Cabete, foi-lhe confiada a missão de costurar a bandeira que iria representar a vitória da República no país em 1910. Até morrer no ano a seguir, liderou o movimento feminista e o movimento republicano feminino em Portugal e chegou à direção da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.
Carolina Beatriz Ângelo deixou um legado de inspiração, de luta e sacrifícios, que incentivaram as conquistas femininas ao longo das décadas do século XX.
Este documentário realizado pela Assembleia da República ilustra a vida de Carolina Beatriz Ângelo e conta com a participação de Irene Flunser Pimentel, investigadora do Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH.
Fotografia: Carolina Beatriz Ângelo, retrato restaurado por el Museo de Braga. Foto retirada do website Wikipédia.