Lembra-se dos Parodiantes de Lisboa? E de Simplesmente Maria? Nos anos de 1950 a 1970, são exemplos de um modelo que marcou a programação e o quotidiano dos lisboetas, antes de dar lugar a um novo papel da rádio: o de informar e derrubar o regime.
“Bonançosa, tranquila e sossegada, cuja preocupação é não mais que distrair” era a rádio dos anos de 1950 a 1970, descreve Dina Cristo na tese de mestrado em Ciências da Comunicação da NOVA FCSH (1999), intitulada A Rádio em Portugal e o Declínio do Regime de Salazar e Caetano (1958-1974), publicada em livro pela editora MinervaCoimbra (2005). Os programas de humor, os folhetins radiofónicos, os discos pedidos e os segmentos desportivos cumpriam estes requisitos e eram êxitos de audiência.
Os “Parodiantes de Lisboa”, fundados em 1947 pelos irmãos Rui e José Andrade, foram um caso de sucesso no humor durante 50 anos. Começaram por lançar Parada da Paródia, emitido nos Emissores Associados de Lisboa, instalados na Rua Voz do Operário, mas rapidamente criaram novos formatos, entre os quais Graça com Todos, inserido na grelha do Rádio Clube Português, sediado na Rua Sampaio Pina. Só em 1961 este programa recebia, em média, 25 cartas por dia, realça a investigadora, a maior parte dirigida ao “compadre alentejano”, uma das personagens.
Os folhetins radiofónicos eram também presença constante nos anos de 1960. O maior êxito seria a novela radiofónica Simplesmente Maria, emitida a partir de março de 1973, na Rádio Renascença (localizada na Rua Capelo, no Chiado), com mais de 200 episódios.
Quando o telefone toca, no ar entre 1960 e princípios dos anos de 1990, é considerado o maior êxito no segmento dos discos pedidos. Chegou a ser emitido, ao mesmo tempo, pela Rádio Renascença, com Joaquim Pedro, pelo Rádio Clube Português, com Matos Maia, e pelos Emissores Associados de Lisboa, com João Paulo Dinis.
Deste modelo de distração, manteve-se vivo apenas o segmento desportivo, embora nos anos de 1970 fossem as transmissões de hóquei em patins a liderar as audiências (cerca de sete por cento), salienta Dina Cristo.
Informar e revolucionar
Foi lenta a introdução da componente informativa na rádio. O primeiro sinal de mudança dá-se em 1958 quando a Rádio Renascença inclui na sua grelha um programa de ficção científica apresentado nesse registo, A invasão dos marcianos, realizado por Matos Maia. Por causa dele, foi convidado a fazer declarações na PIDE.
Paulatinamente, outros programas foram alavancando a informação. No ano seguinte, no Diário do Ar, programa vespertino produzido por Paulo Cardoso, os microfones começaram a sair da cabina para a rua; o 23ª hora, transmitido entre as 23h e as 02h, deu início à programação nocturna (permaneceria até 1974). Também o Meia-Noite veio reforçar a programação nocturna e a cobertura de factos.
Estes programas influenciaram outro incontornável da Rádio Renascença: o PBX, produzido pelos Parodiantes de Lisboa e realizado inicialmente por Carlos Cruz e Fialho Gouveia. Para a investigadora, o PBX é o símbolo da rádio nova: “Quando ocorrem as inundações em Lisboa, em 1968, o PBX torna-se o sistema nervoso central de informações e comunicações entre o público e as entidades oficiais, ultrapassando o seu horário normal”.
Era o despertar da rádio para os factos, as reportagens noturnas, os diretos… e a situação política. Diz Dina Cristo que dois programas no início dos anos de 1970 introduziram o estilo agressivo e socialmente empenhado: Página Um e Tempo Zip, ambos emitidos na Rádio Renascença.
Outros dois estiveram na base da revolução do 25 de Abril: o 1-8-0, dos Emissores Associados de Lisboa, e o Limite, da Rádio Renascença. Às 22h55 do dia 24 de abril de 1974, o 1-8-0 transmitiu a primeira senha que funcionava como código para os militares se prepararem: a canção “E depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho. Às 00h25m do dia 25 de abril de 1974, o Limite emitiu a segunda senha da Revolução dos Cravos: a canção “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso. Era o sinal para os militares envolvidos assaltarem as principais forças do regime e forçá-las à rendição.