Na primeira metade do século XVIII, a freguesia da Encarnação era a zona privilegiada para a residência de famílias em palácios. Um local que estava, literalmente, “fora de portas”.
A freguesia de Encarnação, perto da zona do Oriente, era um dos centros de concentração de palácios em Lisboa, antes de 1755. Das 80 residências de titulares nobres portugueses na cidade, 15 tinham morada na Encarnação.
Curiosamente, à época, esta era uma zona que estava fora da cerca fernandina que circundava a cidade, numa colina ocidental, tal como a freguesia de Mártires, aponta Pedro Lopes Miguel na tese de mestrado em História Moderna e dos Descobrimentos (2012) da NOVA FCSH.
A vida palacial em Encarnação contava com a presença de titulares nobres de todo o país, desde Viana a Vimioso, Ribeira Grande, Fronteira, Alvito e até Alvor. Esta proximidade entre nobres revelava relações de sociabilidade que ainda estão por descobrir, como amizades e conflitos entre as casas, afirma o investigador.
À época, a construção dos palácios tinha “tido a sua origem em pequenos tramos da muralha de Lisboa que paulatinamente tinha vindo a desaparecer absorvida por estas construções”, principalmente por, entre outros, marqueses de Valença e marqueses de Gouveia.
O encanto e construção dos palácios dos nobres desta freguesia terá mesmo sido relatado por testemunhos estrangeiros, que o investigador refere na sua tese. Um viajante inglês escreveu: “Na colina a oeste, havia edifícios imponentes, particularmente o Palácio de Bragança, e nesta parte da cidade as ruas eram em geral mais largas, os edifícios melhores e as perspectivas mais agradáveis do que em qualquer um dos outros”.
Apesar disso, a disparidade entre as freguesias onde existiam palácios era visível pelo facto de a segunda freguesia mais popular, Santos-o -Velho, apenas albergar 8 residências nobiliárquicas, pouco mais de metade do número de Encarnação. A freguesia de S. José, por seu turno, apresentava apenas seis, localizadas no eixo junto às Portas de Santo Antão, na rua da Anunciada, na rua de S. José, no caminho de S. Sebastião da Pedreira, “ligando a cidade ao campo”.
O desenvolvimento espacial em Lisboa, antes do terramoto de 1755, apontava para a urbanização dos terrenos no interior, onde hoje se encontram Alcântara e Belém, e também para o ocidente, nas regiões adjacentes a Encarnação, onde se situam Moscavide e o Parque das Nações. Estes locais eram apreciados devido à existência de terreno suficiente para jardins e cercas ao redor dos palácios, ao contrário do que acontecia na malha apertada da cidade.
Fotografia: Pormenor do quadro Panorama de Lisboa no século XVIII pintado por José Pinhão de Matos, em que se apercebe a alteração de volumetria dos edifícios na encosta da Encarnação (retirado da tese do autor).