Era assim a prostituição em Lisboa no século XIX

Em 1844, as prostitutas de Lisboa foram obrigadas a registar-se no Governo Civil e não podiam estar nas “ruas respeitáveis” da capital. Algumas ficaram bem conhecidas, como Maria Severa, a fadista, e Antónia Moreno, dona de uma casa de prostituição. Cecília Barreira, investigadora do Centro de Humanidades (CHAM) da NOVA FCSH, conta estas e outras histórias da prostituição de oitocentos.

Maria Severa foi a prostituta mais conhecida de Lisboa, apesar de só ter vivido 26 anos. Severa era também fadista “e como tal a prostituição vivia nas margens com o fado”. Conquistou vários corações, entre eles o do toureiro Conde de Vimioso, aponta Cecília Barreira no artigo (2017) onde traça breves apontamentos sobre a prostituição de oitocentos. À época, os amores e desamores por prostitutas e mulheres do fado eram recorrentes, não fosse a paixão de Sousa do Casacão, amigo de Conde de Vimioso, por Maria de Sousa, uma alcoviteira, ou o Conde de Anadia se perder de amores pela fadista Cesária.

Severa pertencia a este mundo. Foi uma prostituta bem paga que estava de mãos dadas com o mundo da aristocracia, mas morreu na miséria, em 1846. Dois anos antes da sua morte, em 1844, o Governo Civil de Lisboa decidira que todas as prostitutas deviam “matricular-se” de maneira a saírem das “ruas respeitáveis”. Eram também alvo de inspeções sanitárias regulares, aponta a investigadora.

Antónia Moreno foi um exemplo de sucesso no ofício. Vinda de Badajoz para Lisboa, instalou-se na cidade em 1857 e passados 12 anos, em 1869, era já proxeneta e proprietária de uma das principais casas em Lisboa. Estava inserida no ambiente cosmopolita: “Para espanto de muitos, assinava camarote permanente no S. Carlos”, afirma a investigadora.

Para um melhor entendimento da classe, as prostitutas dividiam-se em três categorias: as mais luxuosas, que tinham casa própria e socializavam com as classes mais importantes; as toleradas, que eram inquilinas de mulheres que já tinham exercido o ofício; e as clandestinas, que se esgueiravam “pela Madragoa adentro, e iam para o cais, à espera dos marinheiros” ou então andavam nas ruas da baixa lisboeta. Esta terceira categoria caracterizava a maioria das mulheres.

Uma das formas de as prostitutas encontrarem fidalgos ou marialvas – homens sedutores, de boas famílias, mas com gosto para comportamentos socialmente menos aceitáveis – era após uma tourada, no Campo Pequeno ou no Arco do Cego, por exemplo. “Os touros eram como que o futebol da atualidade”, explica Cecília Barreira.

Muito se escreveu à época sobre este ofício. Até ao início do século XX, foi definido como “vício”, uma “tuberculose social”. Inclusive, escreveu-se sobre prostitutas lésbicas, as sáficas, numa altura em que a definição de lesbianismo não existia. Nem de travesti, porque “havia mulheres, fadistas, que se vestiam de homens, guiavam as tipóias e só gostavam de guitarra e de fado”.

Com mais ou menos dificuldades, quase todas as prostitutas eram forçadas, importunadas e molestadas, quer fosse pelo chulo, quer fosse pelos clientes ou até mesmo na rua. Muitas destas mulheres abrigavam-se sob o mesmo tecto, de modo a protegerem-se umas às outras. “O que é um facto é que não era fácil ser prostituta na Lisboa de oitocentos”, conclui a investigadora.

Fotografia: “O Fado”, pintura a óleo de José Malhoa (1910). A cantar o fado está Amâncio, homem mal afamado, e Adelaide da Facada, prostituta da Mouraria. Coleção Museu da Cidade/CML.

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Ana Sofia Paiva
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