Cem anos da Grande Guerra: entre o trauma e a celebração

Mais de oito mil homens foram mortos, 25 mil ficaram feridos, capturados ou dados como desconhecidos. Cem anos depois, comemora-se o fim de um dos episódios “mais traumáticos do século XX”: a Grande Guerra.  

A citação pertence a Sílvia Correia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro,  investigadora colaboradora do Instituto de História Contemporânea (IHC) e visitante do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) da NOVA FCSH.  Os soldados portugueses que voltaram que voltaram da frente de batalha, mutilados e marcados pelo trauma da experiência da guerra, não foram devidamente enquadrados na sociedade, refere a investigadora num dos capítulos do livro “História da Primeira República Portuguesa” (Tinta da China, 2009), coordenado por Maria Fernanda Rollo e Fernando Rosas, também investigadores da NOVA FCSH.

Este trauma seria atenuado pela ação de algumas organizações, entre as quais o Instituto Militar de Arroios para a Reeducação dos Militares de Guerra, fundado em 1917 pela Cruzada das Mulheres Portuguesas. Dirigido pelo capitão-médico Alfredo Tovar de Lemos, o hospital recebia, tratava e reeducava profissionalmente os mutilados de forma a facilitar o regresso à vida civil. O organismo seria extinto em 1922.

Os corpos dos soldados  que perderam a vida na I Guerra Mundial foram sepultados em vários cemitérios da Europa, não só por razões sanitárias, mas também porque era dispendioso trasladar os corpos. Assim, em representação de aqueles que não seriam identificados e como forma de as famílias poderem fazer o luto, o Reino Unido criou o túmulo do soldado desconhecido, movimento que foi seguido por outras nações europeias, entre as quais Portugal, que sepultou os seus dois soldados desconhecidos – o da frente europeia e o de África – no Mosteiro da Batalha. Portugal é, aliás, o único país a homenagear dois soldados desconhecidos.

Esta “memória e luto foram nacionalizados, por toda a Europa, na consagração de símbolos universalizantes – verdadeira religião cívica manifestada numa “unidade de tempo”, o 11 de novembro de 1918”, refere a investigadora.  Este dia assinala o fim da Grande Guerra, mas em Portugal – ao contrário dos outros países – recordam-se os soldados a 9 de abril, dia da derrota de Portugal frente aos alemães, na Batalha de La Lys. “O que é singular no caso de Portugal é o baixo impacto do acontecimento na memória nacional e quão raros foram os esforços portugueses em comemorar a guerra, comparando com o Reino Unido, França ou Itália”, reforça Sílvia Correia.

A Primeira República teve dificuldade em perpetuar a memória destes soldados. O Monumento Nacional aos Mortos da Grande Guerra, na Avenida da Liberdade, só foi inaugurado 13 anos depois, em 1931. “A verdade é que, desaparecidos os contemporâneos, ficam os vestígios – os monumentos são hoje a face mais visível da fracassada construção da memória da Primeira Guerra Mundial.”

Na opinião da investigadora, “este fracasso [em apropriar politicamente a experiência de guerra] contribuiu em certa medida para a queda da República, que não foi capaz de unir os indivíduos, pois não recorreu aos protagonistas da guerra nem consignou a memória de um dos acontecimentos mais traumáticos do século  XX”.

Ouça também a conversa com Sílvia Correia, na primeira edição do podcast +Lisboa.

Fotografia: “A Grande Guerra, o armistício – cortejo a caminho do Paço de Belém e das legações dos países aliados” (1918) – Arquivo Fotográfico de Lisboa.

Escrito por
Ana Sofia Paiva
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