“Hostipitalidade” de Lisboa: uma nova forma acolher os turistas, entre a hospitalidade e a hostilidade

A mobilidade e o turismo vieram alterar a essência de bairros históricos como Alfama. O aumento de residências turísticas antes da pandemia provocou o desagrado de residentes, mas não o suficiente para formar uma onda de indignação, demonstra uma investigação da NOVA FCSH.

O bairro de Alfama é um dos mais conhecidos do centro histórico da cidade e a crescente mobilidade de turistas e de visitantes modificou a paisagem desta zona. Só em 2019, 48,8% do alojamento familiar clássico do bairro tinha sido convertido em residências de Airbnb, um aumento significativo quando comparado com os 39,4% de 2018. Seria de esperar uma onda de indignação dos moradores, como aconteceu noutras cidades turísticas?

A resposta é silenciosa, indicam Luís Vicente Baptista, Jordi Nofre e Maria do Rosário Jorge, investigadores do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA) da NOVA FCSH, no artigo (2020) sobre as mobilidades temporárias no lado turístico de Lisboa antes da pandemia.

“Em Alfama, a resistência é sinónimo de ressentimento e silêncio, que só é quebrado por alguns poucos moradores nas assembleias da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior e em algumas conversas mantidas entre moradores idosos nos (já poucos) cafés e pastelarias tradicionais do bairro, enquanto alguns incipientes grupos de contestação à especulação imobiliária e à turistificação (por exemplo, o Stop Despejos e o Habita) são maioritariamente – e paradoxalmente – formados por investigadores sociais que não moram no bairro”, descrevem os investigadores.

Curiosamente, o processo de turistificação de Alfama começou com o duplo uso do conceito de bairrismo. Por um lado, os discursos mediáticos, políticos e legislativos aproveitaram-se desta ideia, de forma negativa, para “limpar” e transformar o bairro, de maneira a atrair investimento imobiliário; por outro, foi utilizado para vender uma experiência enriquecedora e única aos visitantes. O resultado foi o “surgimento de uma paisagem profundamente disneyficada”, indicam os investigadores.

Esta mudança foi acompanhada pelo aumento de residências para turistas que ditou a expulsão de comunidades e negócios locais, como cafés, lojas tradicionais ou tascas, substituídas por outras de lembranças e de baixo custo. Esta transformação levou à “perda de pertença” no bairro, sentida principalmente pelos residentes mais idosos, e fez surgir uma nova topografia social: a “nova Alfama”, definida pelo dia-a-dia dos visitantes e turistas.

Entre a “antiga” e a “nova” Alfama, os investigadores destacam um novo conceito que emerge entre a hospitalidade que os residentes oferecem aos visitantes e a hostilidade aos turistas indesejáveis: a “hostipitalidade”. Este conceito congrega duas faces de uma mesma realidade e, ao mesmo tempo, demostra os contrastes que se sentem nos bairros históricos da cidade.

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Ana Sofia Paiva
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