O senso comum associa a lepra a histórias de segregação, confinamento forçado em leprosarias e total isolamento. Mas terá sido mesmo assim na Lisboa medieval?
Embora a lepra, também conhecida por mal de Lázaro – hoje denominada Doença de Hansen – tenha sido comummente associada a perigo de contágio e marginalização, um artigo (2012) de Rita Nóvoa, doutorada em História pela NOVA FCSH, revela que tais conclusões podem ser precipitadas e redutoras.
Com base em fontes recolhidas sobretudo no núcleo urbano de Lisboa, Rita Nóvoa desmistifica a relação direta entre a lepra e o caráter contagioso, embora seja comum a referência ao perigo que representam. O Regimento da Casa de São Lázaro de Lisboa (1460) faz menção ao “dano” que poderia advir da vivência de doentes entre pessoas sãs. A própria reclusão compulsiva nas leprosarias de Lisboa ou a atribuição de penas a quem saísse sem autorização parecem sugerir essa relação, mas poderão estar implícitos no “perigo” outros fatores – de ordem religiosa, moral ou social – que ultrapassam a justificação per se do contágio.
Também a ligação do leproso à marginalidade e reclusão pode ser questionada, porque nem todos os doentes viviam nas leprosarias: os “lázaros domésticos” poderiam permanecer nas suas residências, mediante autorização do monarca, e os “lázaros andantes” corriam o reino à procura de esmolas. Mesmo as leprosarias (ou gafarias) eram espaços espirituais para onde os doentes poderiam entrar prestando votos semelhantes aos de um mosteiro ou convento. Documentos da época atestam a qualidade da gafaria como espaço da doença, mas também ilustram ocasiões de contacto com o mundo são, contradizendo a noção de espaço hermeticamente fechado.
Legenda da imagem: Parable of the Rich Man and the Beggar Lazarus. Créditos: The Yorck Project: 10.000 Meisterwerke der Malerei.