A capital serviu de inspiração para muitas histórias de Hollywood no século XX. Enredos de espiões e de romance aconteciam na cidade, mas nem todos conseguiram vingar no mundo cinematográfico. Rui Lopes, investigador do Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, aponta alguns exemplos.
A cidade de Lisboa e as suas proximidades, entre 1941 e 1945, foram mencionadas em mais de 10 filmes de Hollywood. Lisboa estabeleceu então uma sólida presença no espaço cinematográfico norte-americano, realçando o seu lado mais cosmopolita e o seu potencial para histórias de romance e de espionagem. Este imaginário de Lisboa refletiu-se no cinema de Hollywood nas décadas seguintes.
Porém, nem todos os filmes que incluíam a capital chegaram a ser realizados e guiões originais tiveram de ser modificados, devido à época em que se vivia: a Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo e a neutralidade de Portugal na guerra, tema que ainda hoje é motivo de debate.
A importância do cinema no contexto histórico do Estado Novo é apontada por Rui Lopes, investigador no Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, no artigo (2019) intitulado Jogo e conspiração em Hollywood: o Portugal que não foi. Nele, faz alguns apontamentos de filmes que não chegaram a sair do papel e outros que foram alvo de modificações.
O sucesso de Casablanca (1942) que menciona Lisboa como um dos pontos de passagem para os Estados Unidos da América deu azo à intenção de continuar a trama. No início de 1943, o produtor Hal Wallis convenceu a Warner Brothers a adquirir um enredo que tinha Lisboa como palco principal. Passage to Lisbon era o título original do filme que, meses mais tarde, iria ser reformulado para The Conspirators, adaptação de um romance com o mesmo nome. Mais tarde, iria sofrer alterações no guião.
O projeto do filme Episode in Lisbon começou a ser trabalhado em novembro de 1940 pelo realizador Edgar Selwyn, a pedido da produtora MGM. O guião era promissor: inspirado na fórmula do clássico Grand Hotel (1932), o enredo girava em torno do aeroporto marítimo de Cabo Ruivo que fazia a ligação a Nova Iorque. Contudo, em 1941, a produtora decidiu acabar com a produção.
A Colonnade Pictures, uma pequena produtora, quis realizar uma longa-metragem intitulada Last Clipper from Lisbon, em 1940. A história apresentava uma hipotética invasão de nazis em Portugal, baseada no enredo de Frank Clemente. Pouco tempo depois, a produtora abriu falência.
Outros guiões ainda estiveram em cima da mesa. Lisboa era palco de conspirações e de romances. Um desses exemplos foi a adaptação do romance Memo to a Firing Squad, que se baseava na missão de um grupo da Resistência em “expor um pacto assinado no palácio de um general fascista português, em Lisboa”, refere o investigador. Contudo, o Office of War Information (OWI), departamento de propaganda de guerra dos EUA, não aceitou essa adaptação.
Produções como The Lady Has Plans (1942), uma comédia que envolvia Lisboa, sofreram várias alterações exigidas pelo OWI. Também Storm Over Lisbon (1944) foi alvo de sérias críticas: “Segundo relatórios internos do OWI, este gabinete ameaçou a produtora, Republic Pictures, com dificuldades de exportação caso o projeto não fosse alterado”, refere Rui Lopes. Acrescenta ainda que “na versão final do filme foram eliminadas falas cínicas do vilão sobre a neutralidade de Portugal”, entre outros aspetos da história.
Curiosamente, na década anterior, o filme The Last Flight (1931) foi um dos “raros” exemplos de filmes que representaram feiras e touradas, aspetos da cidade que não ganharam expressão na sétima arte hollywoodesca.
Fotografia: Paullete Goddard em “The Lady Has Plans” (1942). Frame retirado do site IMDb.