Os indigentes de Lisboa pelo olhar da imprensa do século XX

As primeiras décadas do século XX, marcadas pelo progresso e pela consolidação do conceito de família, colocam à margem os “pobres”, caracterizados não só pelo nível de recursos, mas, sobretudo, pela exclusão social.

Vadios, vagabundos, mendigos e prostitutas, que viviam à margem da sociedade e das famílias no primeiro terço do século XX, eram associados pela opinião pública a um fenómeno perigoso, caracterizado pela miséria e pelo crime. O retrato destes indigentes é feito pela imprensa da época e recuperado por Maria de Fátima Pinto, num dos capítulos do livro “Os indigentes entre a assistência e a repressão – A outra Lisboa no 1.º terço do século” (Livros Horizonte, 1999), que resulta da tese de mestrado da autora em História Moderna na NOVA FCSH.

Os menores vadios eram apelidados de “chagados”, “mazelentos”, “maltrapilhos” e “ranhosos”. As mulheres exibiam rostos magros, pálicos e macilentos; os homens tinham grandes barbas, sujas e desmazeladas. Xailes de tons escuros, chapéus deformados e vestuários com buracos e de aspeto amassado denunciavam os indigentes, gente com “rostos escaveirados, expressões bestializadas, encardidas nas intempéries ocultas, sob uma camada viscosa de imundície” (A Batalha, 25-03-1925). Lisboa expunha mazelas graves, como a “mendicidade estropiada”, que “pulula[va], gangrenada de doença e miséria” (O Século, 29-04-1924).

A imprensa denunciava também com frequência situações de miséria vividas em alguns bairros, como o Casal Ventoso, as vielas de Alfama, a Rua da Trindade ou o Bairro das Minhocas, ao Rego, descrito pelo Diário de Lisboa (27-05-1927): “Cada qual armou a sua tenda com os farrapos que Lisboa deitou fóra – taboas velhas de caixotes, latas enferrujadas de conserva, madeiramentos que o fogo lambuzou de negro nas derrocadas dos incendios (…) Água não ha. (…) Esgotos não há tambem”.

Estes eram os relatos desta face sombria de Lisboa, que abundavam nas colunas de fait divers e satisfaziam a curiosidade dos leitores em relação a um mundo protagonizado por asilos, bairros de lata, albergues, prisões, colónias correcionais e, claro, pela rua.

Legenda da imagem: Bairro das Minhocas, em 1938. Fotografia de Eduardo Portugal (Arquivo Fotográfico de Lisboa).

Escrito por
Dora Santos Silva

Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH. Coordenadora editorial do +Lisboa.

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