Primeiros dormitórios de Lisboa: o olhar fulminante da imprensa

Nos anos de 1950, viviam em Lisboa e arredores mais de um milhão de habitantes. Até 1981, o número duplicou. Os dormitórios, zonas entre o campo e a cidade que acolheram estes novos habitantes, eram associados a lugares abandonados e sem vida. Amadora foi o principal alvo da imprensa.

Enquanto em Lisboa o crescimento populacional abrandava, pautando-se em 800 mil habitantes nos anos de 1960, os arredores seguiam a tendência inversa: entre 1940 e 1960, Almada passa de 23 mil habitantes para 43 mil; Loures, de 35 mil para 102 mil. Oeiras, que na altura incluía a freguesia da Amadora, recebe nesses anos mais 60 mil habitantes, ficando em 97 mil.

Estes novos territórios urbanos, designados de dormitórios, correspondiam às zonas de transição entre a cidade e o campo e obedeciam à prática “casa-trabalho” dos seus recentes residentes, descreve João Pedro Nunes, investigador do CICS.NOVA da NOVA FCSH, neste artigo (2007). Foram crescendo em “íntima associação ao comboio” e a outros transportes coletivos que complementavam as linhas férreas de Cascais, Sintra e Azambuja: só a rede de elétricos atingia 145 quilómetros em 40 percursos e 28 linhas.

Para a imprensa, os dormitórios “eram lugares de presença intensa de ocupantes e de ausência notória de qualidade”, salienta o investigador. Exemplo paradigmático desse olhar é um texto do jornalista Mário Azeredo, publicado na revista Eva, em maio de 1963. Amadora é designada como “o grande dormitório da capital”: “gente de todas as condições sociais” dormia lá, mas trabalhava, estudava e vivia, “afinal”, em Lisboa.

Referia a peça que os habitantes moravam ali porque não tinham posses para residir no Rossio ou nos Restauradores. Acabavam, porém, por ficar mais perto em tempo do centro de Lisboa do que se morassem na Avenida de Roma: “o comboio leva-os em 12 ou 15 minutos”.

O crescente povoamento contrasta com a falta de infraestruturas: “sem movimento, sem vida social, sem indústria digna desse nome”. Mais parece uma “cidade abandonada”, referia a peça. Os únicos momentos de vida eram fugazes: “de repente, autênticos formigueiros humanos surgem a correr de todos os lados (…)”. Era a hora de um comboio.

Fotografia: um comboio a passar pela zona ferroviária de Damaia/Amadora, em 1961 (Artur Goulart, AFL).

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