Ser mulher em Lisboa: a associação que agitou o regime no século XX

A Exposição de Livros Escritos por Mulheres, organizada pelo Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), agitou o poder político do século passado. Adelaide Cabete e Maria Lamas, figuras incontornáveis da sociedade lisboeta, foram as diretoras desta associação feminina que se manteve por 33 anos.

Lutar pelos direitos das mulheres na educação e no seio familiar constituíram o móbil do Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas (CNMP). A “mais importante e duradoura associação feminista portuguesa da primeira metade do século XX” foi investigada e analisada por Rosa de Lurdes Correia, na tese de mestrado em Estudos sobre as Mulheres (2013) da NOVA FCSH.

Esta associação, fundada por Adelaide Cabete em 1914, apresentava-se como “uma instituição feminina, apolítica e não religiosa”. Apesar de não ser definida como uma organização feminista, toda a sua história é baseada neste conceito. Os objetivos da fundação do CNMP foram, entre outros, proteger as mulheres e crianças desfavorecidas, assegurar a higienização das grávidas e das puérperas e abolir a prostituição regulamentada.

A época de ouro da agremiação ocorreu na década de 1920, quando o CNMP se afiliou em movimentos femininos internacionais como o International Council of Women (ICW) e o International Women Suffrage Alliance (IWSA). A este último, também pertencia a Associação de Propaganda Feminista “que influenciou significativamente o trabalho do Conselho”, refere a autora.

As mulheres que o constituíam eram sobretudo de origem burguesa e tinham uma escolaridade elevada ou o ensino superior. Na década de 1920, assistiu-se à “adesão de muitas mulheres republicanas e que pertenciam à Maçonaria sobretudo à Loja Humanidade do Direito Humano (mista) ou que viriam a integrar as suas fileiras após a sua filiação no Conselho”, aponta Rosa de Lurdes Correia.

O CNMP expressava-se através da organização e da participação em congressos e conferências, tanto a nível nacional como internacional. A investigadora refere que o primeiro Congresso Feminista e de Educação aconteceu entre  4 a 9 de maio de 1924, na Associação de Socorros Mútuos dos Empregados no Comércio de Lisboa. Mas o principal veículo de comunicação era a publicação de boletins do Conselho, num total de 157 números.

O trabalho desenvolvido para as causas sociais femininas atingiu repercussões a nível nacional, principalmente com a chegada à direção de Maria Lamas, jornalista e escritora, em 1945. Várias são as opiniões sobre o que terá ditado o fim à agremiação, e parte destas razões têm em comum uma exposição.

Em 1947, a Exposição de Livros Escritos por Mulheres foi motivo de muita tinta nos meios de comunicação. Louvada por uns mas odiada por outros, a exposição foi criticada nos jornais ligados ao regime, como A Defesa e o Novidades. Estes jornais alegavam que o Conselho era contra o Estado Novo e que o feminismo estava intimamente ligado ao comunismo.

O nome de Maria Lamas era outra razão. A chegada da jornalista à direção e o sucesso da exposição fizeram com que várias mulheres se inscrevessem no CNMP. Por conseguinte, começaram a ser constituídas delegações espalhadas pelo país. As mulheres reuniam-se e discutiam os problemas afetos à situação feminina, como o analfabetismo e a situação económica. Toda esta visível emancipação feminina não foi bem vista pelo Estado Novo.

Foi a mudança da sede social do Conselho que abriu a janela de oportunidade para o regime intervir. Durante 32 anos, a sede localizou-se no consultório médico da primeira diretora e da sua irmã e sobrinho, Maria e Arnaldo Brazão. O primeiro andar do número 13 da Praça dos Restauradores, em Lisboa, foi a morada da associação. Entre 1920 e 1946, a sede também correspondia às da Liga Portuguesa Abolicionista (LPA) e da  Ligas de Bondade, mas no segundo andar do mesmo prédio. Em 1946, a sede do CNMP foi transferida para a Travessa das Fábricas das Sedas, nas Amoreiras.

A  polícia encerrou esta porta, “sem aviso prévio”, no dia 28 de junho de 1947. Apesar dos esforços de Maria Lamas e das mulheres desta agremiação, a história de 33 anos do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas tinha chegado ao fim.

Fotografia: Adelaide Cabete na manifestação junto ao túmulo de Trindade Coelho, no cemitério dos Prazeres (1908). Arquivo Fotográfico de Lisboa

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Ana Sofia Paiva
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