Ser mulher polícia em Lisboa: uma conquista que envolveu Adelaide Cabete e a prostituição em Lisboa

Se hoje é possível ser-se mulher e ingressar na Polícia, é porque uma voz feminina apresentou soluções para resolver um problema que se vivia em Lisboa na década de 1920: a prostituição regulamentada. Mas como é que os dois temas se relacionam? Uma investigação da NOVA FCSH explica como tudo começou no ingresso das mulheres na Polícia.

Adelaide Cabete, médica ginecologista e maçon, é a responsável pela integração das mulheres nas forças policiais, e tudo porque quis abolir a prostituição em Lisboa e decidiu apresentar uma solução no Congresso Abolicionista de 1 e 5 de agosto de 1926. A médica, principal cara do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, fundado em 1926, apoiou a melhoria das condições económicas, morais e educativas das mulheres e, entre outras causas, a abolição da regulamentação da prostituição em Lisboa.

O Congresso abolicionista de 1926 teve como principal tema a prostituição, onde se defendeu “a abolição do registo policial das prostitutas, a elevação da maioridade; a existência de uma moral única que regesse homens e mulheres e sobretudo a importância da educação como forma preventiva da prostituição”, escreve Pedro Urbano, investigador no Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, no capítulo do livro “Polícias(s) e Segurança Pública – História e Perspetivas Contemporâneas” (MUP, 2020).

Adelaide Cabete apresentou, assim, a ideia de “Polícia feminina”, inspirada nos casos de Inglaterra e Estados Unidos da América. As funções da mulher, defendeu a médica, passavam pela vigilância, assistência e proteção de crianças, raparigas e mulheres em várias situações, principalmente no atentado ao pudor ou à moral. Estas mulheres não deviam usar armas e patrulhar com os colegas homens.

“A polícia feminina teria então uma função educativa, preventiva e de educação moral” e tinham como dever vigiar os espaços públicos e locais de reunião. Os critérios de seleção das mulheres deveriam ser rigorosos, tais como ser instruída, deter conhecimentos das práticas e métodos policiais, narcóticos e de datiloscopia (retirar as impressões digitais a criminosos), “porte moral irrepreensível”, conhecimentos de primeiros socorros e conhecer passagens do Código Penal.

Nas palavras de Adelaide Cabete, a polícia feminina tinha “de se diferenciar da sua congénere masculina, pelo seu maior grau de cultura e pela sua superioridade moral”, cita o investigador. Por outras palavras, o que realmente Adelaide Cabete pretendia era que as mulheres constituíssem um veículo de proteção a menores e mulheres que levavam uma vida de prostituição, ao oferecer-lhes proteção através da vigilância e assistência.

O intuito, ao contrário do que se suponha, não era o de conquistar a igualdade de género na profissão ou o direito da mulher para desempenhar uma profissão como a de polícia, era sim, o de abolir a prostituição na cidade. Nestes moldes, a tese da médica foi aceite pela maioria dos presentes no Congresso, embora com críticas à nomenclatura da ideia: “Polícia feminina”. A oposição veio da bancada masculina, nas vozes de Virgílio Marques, da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem, e de Manuel da Silva. Já Eurico de Figueiredo e António Freire defenderam que a particularidade do nome era apenas uma questão secundária.

A proposta teve apenas uma voz contra: a de José Carlos de Sousa, jornalista, representante do grupo anarquista o “Semeador” e secretário Geral da Universidade Popular Portuguesa, em que “defendendo o papel educador da mulher, discorda que essa ação se fizesse sob a forma de polícia, revestida de autoridade emanada do Estado, até porque o vocábulo adquirira na altura um significado depreciativo”.

O resultado da aprovação da tese de Adelaide Cabete apenas viu a luz do dia anos depois, em 1930, quando Ermelinda Mendes e Emília da Conceição Pereira se tornaram as primeiras mulheres a integrar a Polícia de Lisboa, com as funções de vigilantes e de assistência. Só 15 anos depois é que o primeiro diploma legal da existência de guardas femininas com a categoria de guardas de segunda classe, não apenas em Lisboa, mas em cada comando da Polícia, foi redigido, mas as restrições das mulheres dentro da Polícia continuaram no Estado Novo.

Porém, a queda da ditadura e a promulgação da igualdade de direitos entre homens e mulheres na Constituição de 1976 levou ao assentamento de praças de 312 mulheres na Escola de Alistados Feminina, em 1980. Cinco anos depois foram extintos os quadros policias entre sexos e formou-se um único quadro de pessoal técnico e profissional. Este ato foi importante para as mulheres porque possibilitou-lhes progredir na carreira dentro da Polícia.

 

Fotografia: Comemorações do dia da PSP na Alameda dos Oceanos (Parque das Nações), 1999. Bruno Portela, Arquivo Fotográfico de Lisboa.

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Ana Sofia Paiva
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