Os índices de mortalidade quotidiana na Lisboa moderna eram elevados – cerca de 30 por cada mil pessoas anualmente –, mas a cidade continuava a crescer devido aos intensos fluxos migratórios. A morte chegava a todos. Porém, de forma desigual.
Ao longo de 400 anos, os cenários da mortalidade “normal”, isto é, não ligada a epidemias, catástrofes ou outros episódios extraordinários, não sofreram alterações significativas em Lisboa. Embora não seja possível calcular estatisticamente as grandes causas de morte, devido à “extrema confusão” em que se encontrava a medicina, Teresa Maria Rodrigues, investigadora da NOVA FCSH, relaciona neste artigo (1996) a morte quotidiana com três indicadores que determinam a desigualdade face à mortalidade: idade e sexo; fatores socioeconómicos e urbanísticos; e influência das condições climatéricas.
Na Lisboa moderna, a esperança média de vida à nascença rondava os 30 anos. Cerca de um quarto das crianças morria antes de completar um ano de idade e só metade celebrava os sete. Entre os 15 e os 40 anos, a mortalidade feminina disparava devido aos óbitos provocados por complicações durante os sucessivos partos. Depois dos 40, atingia mais o género masculino.
Os indícios de desigualdade face à morte eram mais evidentes nas faixas etárias intermédias, devido à riqueza e ao local de residência. Nas zonas nobres, mais limpas, os habitantes tinham maior probabilidade de resistir a maleitas, em particular as contagiosas, porque lhes era mais fácil o isolamento em locais não afetados; a sua capacidade física, fruto de uma dieta equilibrada, tornava-os mais resistentes.
Já a mortalidade coletiva estava ligada, sobretudo, a imigrantes e a estratos mais baixos onde era “gritante a promiscuidade, a humidade, a falta de aquecimento, de água e de esgotos”, explica a investigadora. Grande parte da população vivia num estado de “depressão física”, provocado por uma má dieta alimentar, que facilitava gripes, pneumonias e febres, ao mesmo tempo que dificultava a cicatrização de feridas – eram comuns os óbitos causados por gangrena.
No Inverno, as febres, hepatites, constipações e infeções pulmonares arrasavam a população. No Verão, as complicações de foro intestinal tinham efeitos dramáticos nas crianças. Agosto, o mês mais quente do ano, era designado como “massacre dos inocentes” pela escassez de lactação e cuidados maternos. “O ritmo da morte era também acelerado pelas más condições sanitárias individuais”, afirma Teresa Rodrigues.
Como os párocos registavam a causa de morte nos registos de óbito, é possível conhecer os grandes grupos de doenças mortíferas na cidade entre os séculos XVI e XIX. Na infância, dominavam as febres, o sarampo, as lombrigas, a escarlatina, a tosse convulsa e as diarreias. Os idosos eram vítimas de cancros, gangrenas e inflamações crónicas. Do princípio ao fim da vida, as doenças mortais eram frequentemente relacionadas com complicações nos aparelhos nervoso e respiratório.
Imagem: Ex-voto de Santo António (1815) autor desconhecido. Óleo s/ madeira. © Museu da Cidade