Foram várias as denúncias de “vandalismos patrimoniais” feitas por quem passou em viagem pela capital no século XIX. No entanto, Paulo Oliveira Ramos, investigador da NOVA FCSH, revela outro olhar, o de quem deu visibilidade a documentos legais que visavam proteger o património português.
Londres, 1832. A Gentleman’s Magazine publica um artigo sobre Lisboa, assinado por Robert Bisset Scott, escritor militar britânico. “Roman Remains at Lisbon” é a crónica de uma viagem à procura dos vestígios romanos da Felicitas Julia Olisipo, nome romano da capital, e inclui a primeira e inédita tradução para inglês de dois dos documentos mais importantes da história da defesa do património português: o Alvará Régio de 20 de Agosto de 1721, através do qual D. João V atribuiu à Academia Real de História Portuguesa a missão de conservar monumentos antigos, e a sua republicação, a pedido do Bibliotecário Mor da Real Biblioteca de Lisboa, em Fevereiro de 1802.
“Sete colinas, como aquelas de Roma, formam a sua paisagem”, escreve Robert Bisset Scott, uma das passagens recuperadas por Paulo Oliveira Ramos, investigador do Instituto de História da Arte da NOVA FCSH, no artigo “Robert Bisset Scott e os seus ‘Roman Remains at Lisbon’” (p. 177-186). Parte significativa do artigo é dedicada ao Aqueduto das Águas Livres, edificado entre 1731 e 1799, durante o reinado de D. João V, cuja beleza e semelhança com o de Roma chamou a atenção do escritor: “Um aqueduto, igual ao da Cidade Eterna, atravessa as colinas, diverge dos templos e palácios pelas lindas colunas, da mesma altura daquelas descritas pelo historiador bizantino Procópio”, sublinha. Robert Bisset Scott não tem dúvidas de que o aqueduto foi construído com base num modelo romano ou mesmo, adianta, a partir das ruínas de uma obra romana de engenharia hidráulica.
Vários estrangeiros de passagem por Lisboa, como o escritor francês George Morant ou a Princesa Isabel Imperial do Brasil, Condessa d’Eu, criticaram a gestão do património português, em particular a construção da Fábrica de Gás ao pé da Torre de Belém, iniciada em 1888 (seria demolida entre 1949 e 1950). Robert Bisset Scott acaba por ter uma iniciativa inédita ao dar visibilidade aos esforços de Portugal na salvaguarda do seu património, sublinha Paulo Oliveira Ramos.
Até à publicação do primeiro alvará joanino, “poucos eram na Europa os textos legais de caráter patrimonial que tinham visto a luz do dia”, afirma o investigador. Estes documentos marcaram em Portugal a emergência da noção de património, constituído não apenas pelos monumentos intencionais, como também pelos vestígios que pudessem ajudar a ilustrar e a conhecer a História. No entanto, sublinha, está ainda por fazer o balanço deste diploma.
Imagem: Paulo Juntas [CC], via Wikimedia Commons