O arquiduque que veio a Lisboa para ser rei

Seis décadas após a Restauração da Independência, Portugal foi confrontado com uma difícil escolha: que partido tomar na Guerra de Sucessão ao trono espanhol? D.Pedro II optou por uma manobra arriscada.

A contenda sucessória que ditaria o destino do país vizinho colocou o rei português numa encruzilhada. Por um lado, o existente pacto nacional com os Bourbon implicava o reconhecimento no trono de Madrid de Filipe V, apoiado por França. Por outro lado, com as restantes potências europeias aliadas pela causa dos Habsburgos e a favor do arquiduque Carlos, temia-se pelo futuro de Portugal e das suas possessões marítimas.

A jogada portuguesa era complexa. Manter a política de neutralidade conduzida desde 1688 significava isolar o país no contexto internacional, abdicar das compensações próprias de uma aliança e, sobretudo, não ter apoios em caso de agressão externa. Acresce que, para Portugal, estavam ainda em causa as suas pretensões na fronteira ibérica e algumas ambições na América do Sul, como explica neste estudo David Martín Marcos, investigador do CHAM da NOVA FCSH.

Temia-se, porém, que o arquiduque se apoderasse do reino. Ou até que, dada a intervenção de potências marítimas protestantes, as terras americanas sucumbissem às doutrinas de Lutero e Calvino. Enquanto isso, em Roma, explorava-se o poder da propaganda religiosa e, a pretexto das festividades de Santo António, sancionava-se o bom entendimento entre coligados.

Rompendo o pacto com os Bourbon, o apoio de D. Pedro II ao arquiduque colocou Lisboa no centro do tabuleiro diplomático. Em contrapartida, Carlos III (como se apresentava ao trono de Espanha) incluiu a capital portuguesa na sua longa viagem de Viena até Madrid, com o apoio de quase 30 mil homens preparados para a guerra.

A 7 de Março de 1704, escoltado por uma imponente frota, entrou a barra do Tejo o veleiro inglês que trouxe Carlos de Áustria. Foi recebido com salvas, honras de Estado e arcos triunfais. Em finais de Maio, juntou-se a uma parte das suas tropas e iniciou com D. Pedro II um périplo que os levou a Santarém, Coimbra e Guarda. Ao cruzarem a raia, tentaram atacar Ciudad Rodrigo, mas o exército dos Bourbon impôs-lhes a retirada. D. Pedro II saiu derrotado moralmente. Carlos teria de preparar melhor investida.

Com o arquiduque instalado numa quinta do Conde de Aveiras, as escaramuças na raia e a conquista de algumas praças fronteiriças ficavam muito aquém dos planos dos aliados. A 28 de Julho de 1705 – um ano, quatro meses e três semanas depois de ter desembarcado em Portugal –, Carlos de Áustria fez-se ao mar para reclamar com as armas o trono de Espanha, levando consigo 15 mil moedas de ouro oferecidas por D. Pedro II. Segundo David Martín Marcos, a permanência do arquiduque em Lisboa reforçou o seu poder e as suas pretensões. E Lisboa não só escapou a uma invasão como foi, durante esse breve período, protagonista da cena política europeia.

Imagem: Praça do Rossio antes de 1755 (autor desconhecido).

Escrito por
Paula Ribeiro Lobo

Investigadora do IHC - Instituto de História Contemporânea. Professora Auxiliar Convidada da NOVA FCSH.

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