Partimos da diversidade de olhares de investigadores da NOVA FCSH para criar o primeiro de dois percursos pelas Avenidas Novas, que se expandiram no início do séculoXX.
Ex-libris de Lisboa na passagem para o século XX, as Avenidas Novas nasceram dos planos de extensão da cidade de Frederico Ressano Garcia ao estilo dos boulevards de Paris. Grandes avenidas em xadrez, com passeios arborizados e infra-estruturas urbanas, iam desde a Praça Marechal Saldanha até à Praça de Entrecampos. Hoje, as Avenidas Novas são associadas também à mancha urbana que começa no Marquês de Pombal e se estende para Picoas, de um lado, e Bairro Azul, do outro, limites integrados na nova Junta de Freguesia das Avenidas Novas.
Este roteiro é, ao mesmo tempo, um passeio por alguns dos marcos das Avenidas Novas e pelo conhecimento gerado na NOVA FCSH sobre eles. Não é exaustivo mas vai aguçar a sua curiosidade para saber mais sobre outros edifícios com passado. Clique nos links presentes em cada segmento de texto para alargar o roteiro a outras paragens simbólicas.
Maternidade Doutor Alfredo da Costa
O roteiro pelas Avenidas Novas começa no berço da natalidade de Lisboa, há um século. Como se vê no topo da sua fachada, a maternidade Alfredo da Costa foi edificada em 1917, na Rua Pinheiro Chagas, 5, mas a falta de verbas e de materiais, fruto da I Guerra Mundial, atrasou a sua conclusão. A maternidade só viria a ser inaugurada a 28 de maio de 1932. O ponto de partida é o Jardim Augusto Monjardino, junto à estátua em homenagem ao seu médico fundador. Desse local pode apreciar a ampla fachada do edifício projetado pelo arquiteto Ventura Terra, responsável por importantes equipamentos urbanos de Lisboa.
Casa-Museu Anastácio Dr. Anastácio Gonçalves
Do lado direito do Jardim Augusto Monjardino, no n.º 5 da Avenida 5 de Outubro, encontra a Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, também conhecida como a Casa Malhoa, por ter sido residência e atelier do pintor naturalista José Malhoa. Foi projetada pelo arquiteto Norte Júnior, considerado por excelência o arquiteto das Avenidas Novas,. Concluída em 1904, foi prémio Valmor em 1905. Foi ainda a primeira casa-de-artista da capital, autorizada pela Câmara Municipal de Lisboa. No interior, acolhe cerca de três mil peças reunidas por Anastácio Gonçalves, representativas de pintura portuguesa dos séculos XIX e XX, porcelana chinesa e mobiliário português e estrangeiro.
Cinema Monumental
Contorne o edifício da Casa-Museu e suba pela Avenida Fontes Pereira de Melo em direção à Praça Duque Saldanha. Do lado esquerdo, impõe-se o novo edifício Monumental, que acolhe as salas de cinema da Medeia Filmes. Para contemplar melhor a fachada, coloque-se no centro da Praça, junto à estátua de Saldanha. As amplas fachadas de vidro vieram substituir o edifício anterior, o Cine Teatro Monumental, exemplo emblemático de uma época, os anos 50-60, dominada pelas catedrais do cinema. Projetado por Rodrigues Lima e inaugurado em 1951, dispunha de uma sala de cinema com capacidade para 2170 espetadores e de um teatro com 1182 lugares.
Praça do Saldanha, 12
Do lado oposto ao edifício Monumental, avista numa esquina, mesmo à saída do metro, um dos muitos edifícios representativos da Arte Nova. Foi projetado pelo arquiteto Norte Júnior e Menção Honrosa do Prémio Valmor em 1912.
Praça do Saldanha, 14 – Painel de Azulejos da Farmácia Cruz Nunes
Logo no número a seguir, encontra a Farmácia Cruz Nunes. Não é ela a protagonista do roteiro, mas, sim, o painel de azulejos que se encontra ao lado da porta. Datado de 1909, é um dos primeiros exemplares publicitários de Lisboa e um símbolo da azulejaria Arte Nova, da autoria de Jorge Colaço. Era o tempo em que os números de telefone tinham cinco algarismos e a assinatura era discretamente colocada.
Defensores de Chaves, 26
Antes de percorrer locais emblemáticos da Avenida da República, faça um pequeno desvio. Siga pela Avenida Praia da Vitória e vire na primeira à esquerda. Está na esquina com a Avenida Defensores de Chaves. Faça aí uma pequena pausa e descubra como foi manchete do Diário de Notícias em 1970 por algo que não era suposto acontecer nas Avenidas Novas: uma criança ser abandonada nas escadas de um dos seus edifícios.
Cobertura sensacionalista à parte, procure o n.º 26, onde está sedeado o Clube Militar Naval. Trata-se de mais um exemplo emblemático da Arte Nova, num palacete também projetado por Norte Júnior.
Avenida da República
Vire à esquerda no primeiro cruzamento, está na Avenida Duque d’ Ávila, onde encontra mais fachadas deste período de ouro, entre os números 20 e 28. Retornando à Avenida da República, vai descobrindo o conjunto de fachadas que vamos percorrer em detalhe. Eixo central do nascimento e crescimento das Avenidas Novas, houve uma preocupação em diferenciar a Avenida da República pela arquitetura imponente, inspirada na Arte Nova. Esse feito é confirmado pelo desfile de Prémios Valmor.
Antigo Colégio Madame Anne Roussel, na Av. da República, 13
Atravesse pela passadeira para descer a Avenida pelos números ímpares. Um edifício de esquina, o n.º 13, ao lado da saída de metro Saldanha, é outro exemplo de Arte Nova, projetado por Álvaro Machado em 1904. É hoje o Colégio Académico.
Pastelaria Versailles, na Av. da República, 15
A este momento do percurso, um doce pode fazer maravilhas. Aproveite e entre num dos símbolos das Avenidas Novas do século XX: a pastelaria Versailles, fundada em 1922 por Salvador Antunes, que associou a doçaria francesa à ostentação da Arte Nova, num edifício cujo projeto é atribuído ao arquiteto Norte Júnior. Até o Diário de Lisboa ficou rendido a esta patisserie.
Casa Xangai, na Avenida da República, 19
Um passo à frente, encontra, no n.º 19, outro edifício artenoviano, projetado pelo arquiteto Pardal Monteiro. A Casa Xangai, também ela histórica, faz-nos recordar a influência dos pequenos lojistas de Lisboa.
Edifício da Avenida da República, 23
Dois números à frente, surge um edifício de gaveto amarelo, na esquina com a Avenida João Crisóstomo. Projetado por Nogueira Júnior e Prémio Valmor em 1913, diferencia-se pela sua construção eclética, fruto dos modelos franceses e alemães em voga. No entanto, a cobertura em mansarda e a decoração ornamental, em especial o ferro forjado ondulante das janelas, revela a predominância de linhas da Arte Nova.
Edifício da Avenida da República, 49
Entre dois prédios da segunda metade do século XX encontra outro Prémio Valmor. Foi atribuído em 1923 a este edifício de linguagem oitocentista e ornamentação ostensiva, da responsabilidade do arquiteto Pardal Monteiro. Foi mandado construir por Luís Rau, um comerciante de ferro e carvão. Acolhe hoje lojas e um externato.
Palacete Valmor, Avenida da República, 38
Basta olhar para o outro lado da Avenida da República para vislumbrar o Palacete Valmor, ex-libris da Avenida da República. Projetado por Ventura Terra para Josefina Clarisse de Oliveira, Viscondessa de Valmor, foi Prémio Valmor em 1906 e declarado Imóvel de Interesse Público em 1977. Em tempos recentes, este chalet acolheu o restaurante do Clube dos Empresários. Aproveite a passadeira e atravesse a Avenida na esquina com a Avenida Elias Garcia.
Praça de Touros do Campo Pequeno
Continuando a descer, agora pelo lado direito da Avenida, encontra o Jardim do Campo Pequeno, dominado por um edifício em tijolo maciço vermelho. A Praça de Touros Monumental do Campo Pequeno, em estilo neo-árabe, foi inaugurada em 1892 e restaurada em princípios do século XXI. É considerada a primeira praça de touros portuguesa. É hoje um espaço multifuncional e cultural, destinado também ao público que não aprecia touradas.
Biblioteca Municipal Palácio das Galveias
Na esquina da Praça do Campo Pequeno com a Avenida de Berna, caminhe na direção oposta à Avenida da República. Na esquina com a Rua do Arco do Cego, encontra um edifício que contrasta em estilo com a atual sede da Caixa Geral de Depósitos, inaugurada em 1994. Marco inegável da dimensão palaciana de Lisboa, o Palácio das Galveias foi construído em meados do século XVII. Foi a casa de campo dos Marqueses de Távora, até ser confiscado pelo Estado no âmbito do Processo dos Távora. Hoje é uma das principais bibliotecas da cidade de Lisboa.
Palacete da Avenida da República com a Avenida de Berna
Retorne à Avenida da República e atravesse-a na passadeira, em direção a poente e à NOVA FCSH. Encontra na esquina com a Avenida de Berna a atual sede da Junta de Freguesia das Avenidas Novas. O edifício, último exemplo de Arte Nova deste percurso, foi projetado em 1908 pelo arquiteto Norte Júnior (é capaz de se lembrar de quantos já encontrou deste arquitecto?).
Se continuasse a descer a Avenida, em direção a Entrecampos, encontraria ainda alguns edifícios resistentes destes primeiros anos do século XX. Mas vamos dar um salto no tempo.
Rua Laura Alves
Na Avenida de Berna, na esquina seguinte à Avenida 5 de Outubro, nas traseiras do edifício em forma de guitarra, projetado por Tomás Taveira na década de 1980, encontra a Rua Laura Alves. É uma das poucas toponímias com nomes de mulher nas Avenidas Novas. Laura Alves nasceu em 1922 e foi uma das mais populares atrizes de teatro. Entre outras peças, ficou célebre a sua atuação na peça “Gata em Telhado de Zinco Quente”, de Tennesee Williams, exibida no Teatro Monumental em 1959. A cena onde a atriz despia uma combinação de frente para o público foi censurada, na altura, pelo Estado Novo.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima
Antes de chegar ao fim do primeiro de dois percursos pelas Avenidas Novas, visite ou simplesmente contorne a igreja do lado esquerdo da Avenida de Berna. Obra marcante do modernismo nacional, foi projetada por Pardal Monteiro e conta com inúmeros vitrais de Almada Negreiros. Ganhou o Prémio Valmor em 1938, atribuído pela primeira vez a um edifício não habitacional. Foi o primeiro templo católico a ser construído em Lisboa após a implantação da República. A sua fachada oeste dá para a Avenida mais curta de Lisboa, a Avenida Poeta Mistral.
Mural da NOVA FCSH
O primeiro percurso termina num símbolo da liberdade. As paredes da NOVA FCSH foram objeto de intervenção artística em 2014, por ocasião do 40.º aniversário do 25 de Abril. O convite partiu do Instituto de História Contemporânea (IHC) à plataforma Underdogs, co-fundada por Vhils. Miguel Januário, Frederico Draw, Diogo Machado e Gonçalo Ribeiro, em conjunto, deixaram a sua própria interpretação do 25 de abril.