Sabia que o simples ato de flanar pela cidade foi uma inovação do século XIX? Caminhar lentamente por zonas pedonais e galerias tornou-se desde então um modo de lazer e Lisboa acompanhou esta tendência de usufruir a cidade.
Caminhar pela cidade tornou-se uma verdadeira revolução urbana na Europa do século XIX. A migração de trabalhadores do campo para a cidade acentuava-se e com ela grandes transformações ocorriam na urbe. O conceito de espaço público ganhava importância na engenharia e na arquitetura e a divisão entre a rua onde circulavam os veículos e o passeio pedonal tornou-se um padrão nos centros urbanos, conta Maria João Gomes, investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA), no ensaio (2018) adaptado da sua tese de doutoramento da NOVA FCSH (2016).
Este modelo foi adaptado das principais capitais económicas como Paris, uma cidade amiga dos percursos pedonais e organizada sob a forma de quarteirões e grandes avenidas, os boulevards. Londres, por sua vez, abriu parques e arborizou ruas, num esforço para contrastar o verde com o cinza industrial da cidade. Lisboa não escapou à tendência e também se modernizou, ao construir a Avenida da Liberdade à moda dos boulevards franceses.
Para o moderno cidadão, o ato de caminhar tornou-se uma opção de lazer porque a cidade convidava ao passeio. E quanto mais caminhantes, mais oportunidades de negócio: “Surge um novo ambiente humano, a grande cidade ou metrópole, e com ele emergem novos tipos de comportamentos e relações entre o Homem e o meio humano e físico envolvente”, refere a investigadora.
No século XX, a história passou a ser outra. Com o desenvolvimento dos meios de transporte, conduzir ou ser conduzido passou a ser prioridade. A reconstrução europeia após a Segunda Guerra Mundial ocorreu sob estas premissas, com a paisagem urbana estruturada a partir de grandes eixos, ramos secundários e terciários. Os edifícios e a rua passaram a ser concebidos em separado, assinalando o grande momento do Modernismo na arquitetura e urbanismo.
A caminhada pela cidade deixou de ser omnipresente para ocupar locais e horas específicas. Em grande parte, foi substituída pelo uso do automóvel, que trazia prestígio: “Socialmente, para muitos, há um estatuto de afirmação económica associado ao uso e à posse do automóvel, fator de distinção em relação a quem tem de andar a pé ou de transportes públicos”, analisa a investigadora. A cidade modernista do século XX produziu um território urbano desconectado.
Contudo, mais recentemente, “a consolidação da revalorização do espaço público ao longo das últimas décadas tem contribuído para reativar o caminhar enquanto prática espacial lúdica, social e funcional”. Em Lisboa e nas restantes cidades europeias, a rua voltou a ter papel central nas tomadas de decisão. A maioria dos moradores e dos turistas prefere locais para caminhar e conhecer, como o Terreiro do Paço, Alfama, Graça, entre outros locais lisboetas.
O FCSH +Lisboa organiza caminhadas temáticas por Lisboa, onde é possível conhecer curiosidades sobre a cidade. Para explorar mais, clique aqui.
Fotografia: Baixa Chiado, créditos Katarzyna Jaskiewicz