Memórias de jornalistas sobre tempos de mudança

De um dia para o outro, o país alcançou a liberdade de expressão. O jornalismo, que tinha estado durante anos sob censura prévia, teve que se ajustar a este novo contexto. O que mudou? Um investigador do IHC da NOVA FCSH procurou perceber as transformações através de entrevistas a antigos profissionais de jornais lisboetas.

Os meios de comunicação social tiveram um papel fundamental para as forças políticas demonstrarem a sua posição na sociedade. Mas depois da Revolução dos Cravos o jornalismo português transformou-se. Pedro Marques Gomes, investigador do Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, em artigo de revista (2018), faz o retrato dos jornalistas entre 1974 e 1975 com base em entrevistas a profissionais de jornais lisboetas, entre eles Diário de Lisboa, República e Diário de Notícias.

 A liberdade de expressão permitiu uma “explosão” de lutas e reivindicações dentro da classe, bem como a possibilidade de os jornalistas participarem na vida política. Contudo, “as qualidades profissionais ficaram em segundo plano”, aponta o investigador. Dá como exemplo os “célebres episódios que envolveram confrontos entre trabalhadores, com claras implicações políticas, de que são exemplos os casos dos jornais República e Diário de Notícias e da Rádio Renascença”.

As implicações políticas eram evidentes. Em 1975, José Jorge Letria, então jornalista do República, é “convidado” a ir para o Diário de Notícias, segundo a diretriz partidária do Partido Comunista Português (PCP). O jornalista conta ao investigador: “O partido deu-nos uma orientação para sairmos dali [do República] e irmos reforçar posições que precisavam de ser reforçadas. Houve jornalistas que foram para o Diário de Notícias, outros foram para a ANOP [agência de notícias], que também precisava de ser reforçada, e um ou dois foram para a RTP”.

Joaquim Vieira, que iniciou a sua carreira de jornalista em 1975 na RTP, refere que este cruzamento entre a política e o jornalismo era evidente: “Os responsáveis editoriais eram, quase sempre, homens de mão dos governos. Por outro lado, os jornalistas, ou eram independentes ou adaptavam-se, ou eram militantes de uma linha política. Eu também puxava a brasa à minha sardinha. Só mais tarde, depois da normalização democrática, é que começo a apreender mais os valores da independência jornalística”, lê-se no depoimento que deu a Pedro Marques Gomes.

A política estava na ordem do dia e a profissão enfrentava um dos maiores desafios contemporâneos, recorda Diogo Pires Aurélio, à época jornalista no República: “A discussão era política a 100%” porque “não havia pruridos de mais independência profissional”. As rotinas jornalísticas também se modificaram: se antes as redações eram pautadas pelo marasmo do regime, depois do 25 de abril os profissionais tentaram adaptar-se ao frenético mundo das notícias.

A maior parte da produção jornalística não era útil para os leitores, devido a “textos pouco claros”, à pouca distinção entre notícias e artigos de opinião. Contudo, o esforço era visível para acompanhar os acontecimentos, conta  José Carlos de Vasconcelos, atual diretor do Jornal de Letras, na sua entrevista: “Era a altura dos homens sem sono. A gente fechava o jornal lá para as três, quatro da manhã… Uma notícia que estava certa à uma, às duas já não estava”.

O panorama no jornalismo português  mostrava uma mudança estrutural: começaram as greves, as lutas sindicais e o protesto para a melhoria das condições salariais dos profissionais, inclusive a adoção de um código deontológico. Os jornalistas da Rádio Renascença e do Diário de Lisboa começaram as greves em maio de 1975, totalizando, naquele mês, 149 ocorrências. O Contrato Coletivo de Trabalho foi um objetivo alcançado e verificou-se o aumento da entrada, apesar de tímida, de mulheres jornalistas para as redações. A classe jornalística modificou-se e, em 1976, divulgou-se o Código Deontológico do Jornalista.

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Ana Sofia Paiva
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